segunda-feira, maio 07, 2007

Goodbye Ruby Tuesday

Conheci uma menina chamada Rubi. O que a torna digna de menção honrosa na minha crônica pessoal é a sua heróica habilidade de atacar o capitalismo selvagem em sua base, sem o menor pudor, no seu calcanhar-de-aquiles lógico, por assim dizer. Sem titubear um segundo em suas convicções.

Rubi foi demitida nada menos que oito vezes, contabilizando apenas os empregos registrados em carteira. Se na conta fossem inclusos todos os trabalhos temporários, de meio período, bicos, empreguetes, frellances e biscates em geral, o número tornaria-se vergonhoso demais para que eu, pobre bunda mole, pudesse contar a história sem me sentir um vendido, zeloso que sou pelo meu emprego.

Convém dizer que a maioria dos rompimentos empregatícios deu-se por “justa causa”, e disto ninguém poderá discordar, já que jamais foi explicado se a causa justa era a sua ou a do patrão. Tento relatar aqui, o melhor que posso, as peculiares sutilezas que antecederam a última demissão, do banco em que trabalhava.

Naquele dia, lá pela hora do almoço, entrou na agência bancária um senhor de idade, idade avançada, porque não sei quem inventou que dizer que uma pessoa é “de idade” é o mesmo que dizer velha. Deixando de lado minhas teorizações lingüísticas, o que importa é que o velhinho foi ao banco para pedir um empréstimo. Nada de incomum, não fosse o fato de que o empréstimo tinha como única finalidade ser depositado na conta poupança do desinformado senhor. “Para quê o empréstimo, se ao colocá-lo na poupança, o senhor pagará muito mais juros ao banco do que este lhe pagará por confiar-lhe seu dinheiro que, na verdade, não é exatamente seu, e sim do banco?” Desnecessário dizer que o humilde homem nada entendeu, o português bem utilizado na argumentação de Rubi é definitivamente pouco acessível. Numa tentativa desesperada de não parecer um completo ignorante, o velho responde: “Mas e seu eu precisar de repente?” “Nesse caso o senhor vem até aqui e faz o empréstimo, na mesma hora.”

A esta altura o pobre homem não sabia se era pior passar por completo desinformado dos assuntos monetários ou louco estúpido. Ao pesar bem o peso de cada uma das palavras da última frase em sua mente, decidiu ficar com a primeira opção; nunca é tarde demais para aprender, e sempre é muito o tempo da loucura. Agradeceu à boa moça e foi-se embora, sem tomar o empréstimo.

Quando dizem que tudo na vida é uma questão de ponto de vista, acho que querem dizer que tudo é uma questão de quem ganhou e quem não ganhou. Para Rubi, era uma satisfação espalhar o bom-senso pelo mundo; para sua gerente, que havia assistido à cena toda calada, era uma vergonha uma funcionária tão pouco comprometida com o bom desempenho da empresa. “Por quê você não fez o empréstimo?”, finalmente dispara a gerente. “Porque o que ele estava pedindo era loucura.” “E o que te importa se era loucura ou não? Isso é um banco, não um sanatório!”

Como disse antes, Rubi sofre do grave defeito de viver de forma honesta com suas crenças e valores. A gerente já ia virando as costas para ir cuidar de outras coisas quando a moça retorque, cheia de autoridade: “Já passou pela sua cabeça que esse homem provavelmente trabalhou duríssimo a vida toda, ganhando muito menos que o necessário para viver dignamente, sendo sugado por um modelo social que no fim das contas não lhe deu nada em troca, e que tudo de que ele não precisa agora é de outro sanguessuga a lhe beber o sangue?”

A chefe para de costas por um instante, e subitamente vira-se, com o mesmo sangue, não a ser sugado ou escorrendo, mas injetado em seus olhos: “E você já pensou em procurar emprego numa instituição de caridade?” Pobre Rubi, que não aprendeu a fina arte da hipocrisia tão bem quanto aprendeu a da retórica. “A julgar pela disposição dos bancos em bem distribuir a riqueza, provavelmente teríamos os mesmos clientes.” Um golpe bem colocado, daqueles de pôr abaixo qualquer argumento adversário, bem como o conforto de receber fixamente um salário todo começo de mês.

Tanto é assim que a gerente já estava serena quando disse: “Já chega. Passe no RH para assinar sua demissão. Ou melhor, trabalhe até o fim do expediente, mas saiba que não vai receber por ele.” Os bancos nunca mudam.

Bem lá no fundo, disse-me Rubi, ela sentiu até uma certa satisfação de não ter mais que trabalhar num lugar que a fazia ter vontade de vomitar. “E como você vai pagar o aluguel agora?”, perguntei. Ela deu de ombros. Menina de coragem.

5 Comments:

At 3:26 PM, Anonymous Anônimo said...

Não que eu discorde da nobre Rubi, afinal, eu acredito que atitudes e pensamentos como os dela são muito melhores que o conformismo ignorante, mas eu me sinto profundamente incrédulo frente a qualquer tipo de ideologia absoluta, de qualquer tipo.
Qualquer pessoa, inclusive a Rubi, está condicionada a precisar de dinheiro. Pequenos hábitos, fumar, tomar uma cervejinha, ouvir uma musiquinha, acessar a internet. Tudo tem um custo nesta vida e quanto mais cedo admitirmos isso, mais fácil começar a pensar uma nova forma de agir e pensar, dentro do sistema.
Pobre velhinho, que de desinformado iria ser enganado. Mas pobre Rubi, que iludida por idéias nobres de um mundo justo, não compreende que um dia, terá que engolir tudo isso e ser uma escrava débil do capitalismo - assim como eu, a duras penas, passei a compreender.
Já dizia o sábio Obi-Wan Kenobi, "somente um sith só admite absolutos". Assim é e assim será, por um bom tempo ainda.

 
At 7:22 PM, Anonymous Anônimo said...

boa paulo. E só digo isso!

 
At 7:41 PM, Anonymous Anônimo said...

Resolvi postar aqui, nesse super post atualizado...
Não voltei pra rihd. Mais um ano de responsabilidades com uma família de marmanjos beberrões me causariam no mínimo uma úlcera(por beberragem ou por stress, sei lá) e também porque simplesmente não tinha mais lugar pra mim. O china e o pana continuam em seus respectivos quartos, o enigmatico ocupa o teu (que duplo sentido mais subliminar!) e o grugo oc... bem, ele agora mora no meu quarto.
Amanhã tem apresentação dos trabalhos do vestibular e eu espero que a PiresCavalcantti ganhe, já que é minha equipe, junto com o duda, o márcio e o morrice. Tenho que fazer também o cartaz da São João o Caralho 3, que, pelo que eu soube até agora derreteu os conceitos em festas também no ano passado.
Por falar em bebedeiras e beberragens bebadas de bebados, eu, china e enigmatico fizemos uma psicodelia como há tempos não se via por essas bandas umidas. Eu, todo derramado de gole, lembro apenas que alguém, provavelmente o arké, gritava no microfone que era meu aniversário. Depois fiquei enxendo o saco do cara que escreveu sobre o movimento punk de londrina e ele tirou da minha cara, não lembro por que. Provavelmente porque eu não conseguia articular nenhuma letra mais complexa que um "A" e derramava bebida a cada gesticulação de minhas alcoólicas idéias.
Tudo terminou com eu discutindo com um cara estranho que surgiu esse ano, que me acusava de tentar roubar a rihd(!), e depois a gente saiu correndo na rua atrás do arke, o enig e o china de cueca num frio de geada, lá pelas 4 da manhã.
bem, isso é tudo pessoal.

fim de tranmissão.

 
At 1:22 PM, Blogger Lord Lino said...

Paulo,

Eu penso que Rubi é uma romântica que, invariavelmente, vai acabar sofrendo muito na vida. O que eu queria descobrir é se o sofrimento por uma causa inegavelmente justa vale a pena. Por concordar com você que todos precisamos de dinheiro para manter desde deliciosos pequenos vícios até palácios luxuosos, as vezes me pergunto se não deveríamos lutar contra o inevitável, apenas por paixão.

Fábio,

Não voltou pra RIHD mas tá em gorpa e na UNICENTRO, certo? E obrigado pelo agradável relato. É impossível não sentir saudade da gloriosa época em que a vida se resumia a psicodelias épicas praticadas num clima convidativo. Ainda mais para mim, que hoje não passo de mera engrenagem (pequena) do capitalismo globalizado e sem graça.

 
At 12:47 AM, Anonymous Anônimo said...

Pia, to vetorizando umas imagens com o china no laboratório de artes gráficas, quero ver são....12:51 AM (note-se que o AM significa à noite, muito à noite) e ele pediu pra eu escrever pra você verificar o site www.drunksongs.blogspot.com ele resmungou aqui do meu lado que é a nova onda do apavoro. E é mesmo.

saudações.

 

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